terça-feira, 2 de agosto de 2011

Cobertura: Festa Literária Internacional de Paraty (FLIP) 2011


Em 2011, a renomada Festa Literária Internacional de Paraty, conhecida como FLIP, chegou à sua nona edição. O homenageado da vez foi o irreverente artista e escritor brasileiro Oswald de Andrade.


Pra quem não conhece, a FLIP é provavelmente o evento literário mais famoso e completo do país. Convidados de todo mundo (em sua maioria, escritores) são levados à Paraty para falarem um pouco de suas obras e debaterem - com um mediador e até mesmo outros convidados - nas chamadas Mesas. As mesas, que acontecem na Tenda dos Autores e são transmitidas ao vivo na Tenda do Telão, são distribuídas ao longo de cinco dias e caminham pelos mais variados temas. O público normal tem acesso às mesmas, tendo que comprar ingressos com antecedência. A Tenda do Telão, normalmente, serve para aqueles que não conseguiram ingresso para a Tenda dos Autores.

Tenda dos Autores, visão externa

Dentro da Tenda dos Autores

Além de tais tendas, Paraty é presenteada com inúmeros eventos paralelos; a Flipinha (espaço para crianças), shows, festas fechadas de editoras, apresentações teatrais em casas culturais (como a do Itaú), etc. A cidade, que já é um marco nacional por sua beleza única e sua preciosa cultura mambembe, se torna um dos pólos culturais mais fantásticos que existe.

Ponte que ligava a FLIP ao Centro Histórico de Paraty

Cheguei em Paraty no dia 06 de julho, data da abertura da FLIP 2011. Infelizmente, não tinha conseguido comprar ingressos para a mesa inicial com o importante crítico literário Antonio Candido. Tampouco consegui assistir ao show de abertura do evento, que contava com Elza Soares, Celso Sim e José Miguel Wisnik. Eu e mais duas amigas havíamos comprado ingressos somente para 9 das 18 mesas. Eram as que mais tinham nos interessado (sem contar aquelas que já estavam com ingressos esgotados).
Por sorte, no segundo dia, consegui ser credenciado como fotógrafo do Rrrespeitável Público e, assim, entrei nas mesas que me interessavam e ainda pude fotografar de perto os mais cultos e respeitáveis escritores. Segue abaixo um pequeno comentário das mesas a que pude conferir.



QUINTA, 07 DE JULHO

Mesa 1 – 12h: Lírica Crítica, com Carol Ann Duffy e Paulo Henriques Britto. Dois poetas, um brasileiro conhecido por seu amplo trabalho no ramo de tradução de poemas, e a outra por ser a poetisa oficial da rainha do Reino Unido, Carol e Paulo fizeram um lindo trabalho ao lerem alguns de seus poemas. Os dela, subjetivos e profundos. Os dele, ácidos e irônicos.

Mesa 2 – 15h: Marco Zero Modernista, com Gonzalo Aguiar e Marcia Camargos. Dois importantes pesquisadores do modernismo brasileiro falando sobre o homenageado Oswald de Andrade. Infelizmente, os convidados se perderam em meio aos seus discursos e transformaram a mesa em questão em algo monótono, repetitivo e sem nenhuma informação que ninguém já não soubesse.

Mesa 4 – 19h30: O Humano Além do Humano, com Miguel Nicolelis e Luiz Felipe Pondé. Miguel, um dos neuro-cientistas mais importantes do mundo, prestes a ser indicado ao prêmio Nobel, falou sobre os seus maravilhosos projetos de luta contra a paralisia humana, emocionando o público e sendo ovacionado de pé. Não consegui ficar para ver o cético Pondé falar sobre o seu novo livro (ciência X filosofia), já que, devido à lotação da Tenda, a imprensa teve que se retirar.



Miguel Nicolelis e Luiz Felipe Pondé



Miguel Nicolelis




Luiz Felipe Pondé





SEXTA, 8 DE JULHO

Mesa 5, 10h: Viagens Literárias, com Andrés Neuman e Michael Sledge. Dois autores de ficção que trabalham com o tempo; Michael falou sobre a sua semi-inventada (mas não menos bela) história de amor entre a poetisa Elizabeth Bishop e a brasileira Lota de Macedo Soares, enquanto o argentino Andrés comentou sobre o seu livro O Viajante do Século, em que o personagem central viaja no tempo e perambula por uma inventada cidade alemã. A Mesa foi morna, mas o mais interessante foi o momento em que os autores falaram sobre a construção de seus personagens; os dois concordaram que todas as pessoas inventadas possuem um pouco de seu criador.



Andrés Neuman e Michael Sledge



Andrés Neuman



Mesa 6, 12h: Pontos de Fuga, com Pola Oloixarac e valter hugo mãe. A jovem argentina Pola, de 33 anos e uma beleza única, fico conhecida como a musa da FLIP 2011. Linda e erudita, falou sobre seu livro e sobre problemas políticos argentinos. Mesmo com tantas qualidades, passou quase que desapercebida ao lado de valter hugo mãe (com letras minúsculas mesmo), astuto escritor português de humor fantástico. valter, que já ganhou o Prêmio Literário José Saramago e por este autor foi chamado de “tsunami literário”, falou um pouco de sua pequena obra que retrata a exaustão da vida, lançou o livro "máquina de fazer espanhóis", e, acima de tudo, divertiu o público com suas tiradas ácidas e naturalmente engraçadas, além de fazer o mesmo cair aos prantos com a leitura de um texto explicando o porquê de amar tanto o Brasil. Sem dúvidas, a melhor mesa da FLIP 2011.



Pola Oloixarac e valter hugo mãe








valter hugo mãe autografando seus romances, pós-Mesa 6



Pola autografando seu romance de estreia, Teorías Selvagens



Mesa 7, 15h: Laços de Família, com Péter Esterházy e Emmanuel Carrère. O francês Emmanuel, que além de escritor é roteirista e diretor (adaptou para o cinema o ótimo O Bigode, também escrito por ele), falou sobre a sua capacidade de transformar em ficção literária acontecimentos da vida pública e de sua própria trajetória familiar. Deu foco ao seu novo romance, o devastador e triste Outras Vidas Que Não a Minha. Já o húngaro Péter, um dos mais renomados escritores europeus atuais, foi à FLIP para lançar o romance Os Verbos Auxiliares do Coração, que, numa mistura de real e ficcional, relata a perda de uma mãe e o luto que segue.


Péter Esterházy e Emmanuel Carrère

Mesa 9, 19h30: A Ética da Representação, com Claude Lanzmann. O frânces de 85 anos ficou conhecido por dirigir Shoah, documentário de mais de nove horas composto por depoimentos de judeus que sobreviveram aos campos de extermínio na Segunda Guerra Mundial. Claude também ganhou notoriedade mundial por sua amizade com Sartre e seu envolvimento amoroso com Simone de Beauvoir. Convidado da FLIP para lançar o seu livro de memórias, A Lebre da Patagônia, o escritor e cineasta deu o que falar. Sua mesa foi, sem dúvidas, a mais polêmica. Os assessores de imprensa já haviam avisado nós, fotógrafos, que o senhor Lanzmann estava extremamente irritado, querendo voltar par a França, mesmo antes de debater com o público. Na mesa, o mediador Márcio Seligmann-Silva errou feio; numa tentativa patética de mostrar o quão culto era, falando de suas viagens e seus conhecimentos sobre o mundo e sobre a vida de Claude, irritou a platéia e também o convidado. Este chegou a dizer para Márcio: “Sim, eu sei dessas coisas, você acha que eu sou retardado? Débil-mental?”. Claude poderia ter se posicionado de maneira diferente mas, com sua idade e sua carga cultural, fez o que achou melhor. Infelizmente, se irritou com todas as perguntas que lhe eram feitas, dando respostas vagas e não-completas. Sempre de cara fechada, não satisfez o público.

Claude Lanzmann





Claude autografando A Lebre da Patagônia, seu livro de memórias



SÁBADO, 9 DE JULHO

Mesa 10, 10h: No Calor da Hora, com Enrique Krauze e John Freeman. O americano John e o mexicano Enrique possuem algo em comum; este é editor das revistas culturais Vuelta e Letras Libres, enquanto aquele é editor da britânica Granta. Na mesa, os dois discutiram sobre sua trajetória e sobre seus objetivos de levar cultura mundo afora, através de revistas. Debate médio, nada me foi adicionado.



John Freeman e Enrique Krauze



Enrique Krauze



Mesa 12, 15h: Ficção Entre Escombros, com Marcelo Ferroni, Edney Silvestre e Teixeira Coelho. Três brasileiros que se utilizaram de fatos reais para criar seus mais novos romances ficcionais. Ferroni com Método Prático da Guerrilha, em que constrói os momentos finais de Che Guevara. Silvestre (que estreou na ficção em 2010 e já ganhou o prêmio Jabuti de melhor romance por Se Eu Fechar os Olhos Agora) com A Felicidade É Fácil, que será lançado em outubro e se baseia num famoso seqüestro infantil ocorrido na Era Collor. E Coelho, atual curador do MASP, com O Homem Que Vive – Uma Jornada Sentimental, em que narra a trajetória de um especialista de arte que, ao chegar em São Paulo, encontra uma cidade coberta de neve, fria e feia.


Edney Silvestre, Marcelo Ferroni e Teixeira Coelho



Marcelo Ferroni



Mesa 13, 17h15: Alegorias da Ilha Brasil, com João Ubaldo Ribeiro. Estar na presença de um dos mais importantes romancistas brasileiros foi uma experiência maravilhosa. Mesmo com a idade avançada, João Ubaldo Ribeiro – conhecido e premiado por romances como Sargento Getúlio, Viva o Povo Brasileiro e A Casa dos Budas Ditosos – foi capaz de presentear o público com as suas mais cômicas e fantásticas histórias de vida. O mediador Rodrigo Lacerda foi excelente ao dividir o debate em décadas; falava um pouco sobre o trabalho de João em uma específica década e este comentava sobre a mesma. O escritor, inclusive, chegou a confessar alguns segredos até então muito bem guardados. Viva O Povo Brasileiro, por exemplo, só foi escrito pois seu editor o desafiou a escrever um livro com muita páginas. Sempre de bom humor, JUR foi ovacionado em sua chegada e em sua saída, emocionando e divertindo o público. Segunda melhor mesa!


João Ubaldo Ribeiro







Mesa 14, 19h30: Lugares Escuros, com James Ellroy. O autor americano de meia-idade é um dos mais conceituados no ramo do romance policial/noir. Tornou-se ainda mais conhecido pelo fato de dois dos seus livros terem sido adaptados para o cinema (Dália Negra e Los Angeles – Cidade Proibida). Até aí, tudo bem. Mas poucos são os que sabem o quão perturbado é James Ellroy; o assassinato de sua mãe numa Los Angeles suja e violenta, em 1958, o tornou um homem de personalidade difícil e sombria, além de inspirar a sua carreira. James é desinibido e muito excêntrico, e isto ficou claro na Mesa 14. O autor entrou, fitou a platéia e, inesperadamente, começou a leitura de um de seus romances. Nesta, interpretou um estuprador esquizofrênico. Maravilhoso. Em seguida, deu-se início o debate. Com linguagem vulgar e muitas vezes obscena, James não poupou palavras e falou tudo o que tinha a ser dito sobre sua obra e sua vida, chocando o público (composto, em sua maioria, de idosos cultos e finos). Alguns se sentiram incomodados, mas a maioria se surpreendeu e entrou na onda do senhor Ellroy. Uma mesa que, com certeza, entrará para a história da FLIP.

James Ellroy





DOMINGO, 10 DE JULHO

Mesa 16, 11h45: Tour Dos Trópicos, com David Byrne e Eduardo Vasconcellos. Esta foi uma das mesas mais disputadas. Provavelmente por conta da presença de David Byrne. David, ex-vocalista da conceituada banda Talking Heads, falou sobre seus projetos de urbanismo sustentável e sua incrível jornada em cima de uma bicicleta. O homem viajou pelo mundo e, pedalando, analisou a qualidade de vida para ciclistas nas mais variadas cidades. O resultado se encontra em seu livro, Diários de Bicicleta. Já Eduardo, um homem muito inteligente e especialista em transporte urbano, também impressionou; debateu com James sobre a possibilidade de reduzir drasticamente a quantidade de carros em cidades grandes, como SP. Ótima mesa, muito satisfatória.

David Byrne





Eduardo Vasconcellos




Mesa 17, 14h30: Em Nome Do Pai, com Laura Restrepo e Héctor Abad. Colombianos, Laura e Héctor viveram de perto a ditadura de seu país. Ex-militante de esquerda, a escritora falou sobre seu livro Hérois Demais, em que relata a sua busca, na Argentina ditatorial, pelo pai de seu filho. Já Héctor contou ao público sobre o seu romance, em que relata a história de seu pai, médico ativista assassinado por paramilitares. Com certeza, uma mesa marcante.


O mediador Ángel Gurría-Quintana, Laura Restrepo e Héctor Abad



Mesa 18, 16h30: encerramento da FLIP com a peça Macumba Antropofágica, do grupo Teatro Oficina Uzyna-Uzona (excepcionalmente na Tenda do Telão). O Teatro Oficina é, sem dúvidas, um dos mais importantes marcos na história da (contra) cultura brasileira. Criado e comandado por José Celso Martinez Corrêa, o Zé Celso, o Oficina ganhou respeito e transformou o seu cabeça em uma das figuras mais importantes do teatro brasileiro.

Zé Celso

Como todas as outras peças do grupo, Macumba Antropofágica durou mais de quatro horas. Primeiro, os atores circulavam dentro de um quadrado de areia, enquanto o público ia se posicionando ao redor. Tais atores estavam pintados no rosto, nus (mas cobertos por capas transparentes) e agiam como se fossem índios selvagens. A “ciranda” e o canto continuaram por um bom tempo, até que foram apresentados ao público Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral.







Tarsila do Amaral

Neste momento, todos foram encaminhados para a lateral da tenda. Do lado de fora, com o mar de fundo, Tarsila e Oswald se amaram sem pudor; dançaram, comeram rãs, beberam drinks exóticos e, por fim, se despiram e beijaram. Em seguida, Tarsila (completamente nua), pintou o Abaporu numa tela de acrílico.

Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral












Tarsila pintando Abaporu



Mais uma vez, todos entraram na Tenda do Telão. Agora completamente nus, os atores encenaram um trecho de Macunaíma e continuaram a cantar e a dançar... até que o público foi convidado a se despir e se juntar aos já peladões. Uma energia muito forte era trocada entre todos. Mais algumas encenações de obras do Oswald até o momento em que tive que ir embora.




Em seguida, alguns autores da FLIP foram convidados para ler trechos de seus romances. Zé Celso, lógico, comandou tudo e, sem dúvidas, polemizou. Começando pelo fato de ter liberado todos aqueles que não tinham convite. Como? Fez todos os presentes o acompanharem num grito de guerra e foi pessoalmente até a porta da Tenda, liberar os que pra fora ficaram. Em outro momento, arrancou o celular da mão de uma menina que se utilizava do mesmo no meio da ceia de Oswald e Tarsila. Arremessou o aparelho longe. Por essas e outras o Teatro Oficina e seu mentor se firmam cada vez mais como essenciais para a cultura brasileira.




CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em suma, a minha experiência na FLIP 2011 foi fantástica. É verdade que esperava aprender mais com as mesas. Mas, mesmo assim, a maioria delas foi muito interessante e possibilitou o meu encontro com gênios da literatura contemporânea. Além disso, estar em Paraty por si só já é de grande ganho. A cidade transpira cultura e guarda lindos segredos, a serem descobertos por aqueles que a explorarem. Minha ida à FLIP 2012 é garantida; e a sua?

Mais em
http://www.flip.org.br/ e http://www.paraty.com.br/flip/

Obs: todas as fotos foram tiradas por mim. Caso queira reproduzi-las em outro veículo, favor colocar os créditos.


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